E fica mais fácil elas existirem, quando o Amor é Cego. É o que transmite o Anselmo Ralph com o seu novo disco, uma história de amor que resiste a tudo, e que lá para maio terá mais meia dúzia de canções dedicadas aos fãs portugueses. Falámos com um dos teus maiores ídolos sobre o álbum e a carreira, e sobre os conselhos que ele te dá para um dia lhe chegares aos calcanhares!
Toda a gente, dos mais novos aos mais velhos, gostam de ti e do teu trabalho. Pensas nisso quando fazes a tua música?
O facto de ter conquistado esse carinho de todos leva-me a que, de cada vez que edito um disco, pense um bocadinho neles. Mas a minha música sempre foi sobretudo para a malta mais jovem, e quando se pensa demasiado, é-se menos genuíno.
É uma responsabilidade acrescida ter tanta gente a seguir-me, não tanto em termos de música, mas sobretudo na forma como levo a minha vida e nos comportamentos que tenho em público. Para os jovens não há barreiras, mas para os miúdos e para os mais velhos há que ter mais filtro. Mas também, quando começas a parecer muito filtrado, perdes a piada. Tens de estar sempre num equilíbrio constante!
E nos teus espetáculos, também mudas alguma coisa consoante o público que vais encontrar?
Eu tanto faço passagens de ano no Casino Estoril, como estou em tomadas de posse, como canto para plateias de jovens. Quando é um público mais selecto, não há bailarinos, eu uso smoking… e as músicas também são direcionadas para esse público. Já se houver muitas crianças, dou um toque aos bailarinos para não fazerem movimentos muito atrevidos ou para terem cuidado quando tiram a t-shirt! (risos)
Temos de saber ler o público para quem estamos a atuar e fazer essa gestão.
Foste um dos primeiros artistas a trazer a kizomba para Portugal. Hoje em dia, sentes que és um dos pioneiros desta vaga de música africana?
Em Angola não sou conhecido como um cantor de kizomba… Sou mais associado à soul e ao r’n’b.
De certa forma sinto-me um dos pioneiros, mas acho que também tive alguma sorte porque esse trabalho já tinha sido começado há bastante tempo com o Bonga, o Paulo Flores, o Eduardo Paím, os Irmãos Verdades e muitos outros. Acho que comigo o clique deu-se no momento certo, e a abertura dos portugueses para me ouvir também ajudou muito. Houve um conjunto de situações que tornou a situação mais favorável para mim.
Como vês hoje em dia a música africana?
Há um boom, e quando isso acontece, há coisas que são boas e outras que nem tanto. Acho que estamos na fase em que o público vai começar a selecionar aqueles que têm mais qualidade, e a esquecer os outros. Outra coisa que noto entre os artistas angolanos é um maior intercâmbio cultural – como é o caso do Matias Damásio com o Héber dos HMB, o C4 Pedro com o Agir, o Nelson Freitas com o Richie Campbell… Acho que isso é a coisa mais bonita que pode acontecer!
E em relação a ti, o que mudou desde o último álbum? Neste momento, sentes que para ti o Amor é Cego?
Se baixares o álbum no iTunes, percebes que todas as músicas têm um interlúdio em que vou contando uma história de amor. Este álbum é isso mesmo, uma história de amor que é cega, e graças a essa cegueira o amor permite-nos ter esperança numa relação, permite perdoar coisas e permite ser feliz com uma pessoa que já nos magoou antes. Ao longo de quinze músicas vou contando uma história que tem um final feliz. Gosto de histórias com finais felizes.
Isto é o Anselmo em paz de espírito em relação ao Dor do Cupido [o disco anterior]?
Sim, é por aí. A Dor do Cupido têm sonoridades mais direcionadas para o mercado português e o Amor é Cego tem sonoridades mais direcionadas para Angola – ao nível dos dizeres, dos ritmos e dos sons, que não tão locais e são mais abrangentes. Este álbum foi um regresso ao que fiz nos meus três primeiros álbuns, mais r’n’b, mais soul… Amor é Cego é quádrupla platina em Angola, aqui em Portugal já é ouro em menos de um mês! E agora vai haver uma reedição com os fãs portugueses em mente…
Fala-nos disso! Há novas músicas?
Sim, vou acrescentar mais seis ou sete músicas, criadas especificamente para os meus fãs de Portugal. E vou ter algumas colaborações de artistas portugueses, que é algo que já ando a querer fazer há algum tempo. Não posso é dizer quem, por enquanto… (risos)
O que achas que diferencia o público português do angolano?
Cá em Portugal pedem-me mais ritmo, lá pedem mais a minha essência: O r’n’b, a soul e as histórias. Musicalmente, parece que o que toca aqui é o mesmo que toca lá, mas não é bem assim… O Não Me Toca foi um sucesso em Portugal, mas em Angola houve músicas nesse álbum que tocaram mais. Acho que a única música que foi um sucesso transversal foi a Única Mulher.
Tu começaste o teu percurso profissional na música com apenas 15 anos, não foi?
Sim, gravei o meu primeiro álbum com essa idade. Estava em Angola e dei os primeiros passos na música aos 13 anos, até que se tornou num caso sério. Tinha uma banda, os NGB, e na altura gravámos o primeiro álbum mas a nossa editora demorou imenso tempo a editá-lo. Aos 17 anos fui viver para os Estados Unidos e só aos 18 é que o disco acabou por ser editado, já um membro da banda estava a cantar noutro estilo, e tudo tinha mudado.
O que eu fui fazer para os Estados Unidos nada tinha a ver com música, mas acabei por nunca me desligar dela totalmente. Fiz parte dum grupo coral durante cerca de três anos, e em 2005 voltei a Angola para gravar o Histórias de Amor, que foi um sucesso. E a partir daí nunca mais parei!
Tendo em conta toda a experiência que já acumulaste, qual é o teu conselho para os jovens que sonham ser como tu?
Em primeiro lugar, acho que devem conciliar a música com outra área, para o caso de a música não dar certo. Também é sempre uma boa ideia aprender a tocar um instrumento e/ou ter aulas de canto. Eu, como não sei tocar nenhum, acabo por estar mais limitado e dependente do instrumentista. Por isso o meu conselho é que tentem adquirir as bases e as ferramentas que, no momento certo, vão ser necessárias.
Atenção que o sucesso não é uma coisa matemática. Muitas vezes não chega ter uma boa aparência, uma boa voz ou muito investimento por trás. O sucesso tem muito a ver com a motivação e com o que te leva a querê-lo, e é isso que te faz ser ou fiel à tua linhagem ou ir atrás das modas. Querer fazer música pela fama e pelo dinheiro é diferente de ser um artista genuíno.
Depois, tens de saber tratar bem as pessoas que te vão ajudar a ter sucesso, e tens de saber esperar. A paciência é a maior das virtudes! Tudo acontece no momento certo. Hoje em dia vejo miúdos a ter um discurso muito negativo desde muito novos… É preciso ter calma.
Como é que achas que eles devem ir à procura do caminho certo? Achas que é pelos concursos de talentos, por exemplo?
Acho que os concursos são mais uma montra. Mas a malta tem de ser mais aguerrida! Hoje em dia há a internet e o YouTube, e muita gente ainda espera uma coisa institucional, com editoras. Nesse aspeto os artistas angolanos são um exemplo… São lutadores e fazem o seu próprio destino, não esperam por ninguém! Eu também não comecei com nenhuma editora, fui por mim próprio e gravei o meu primeiro disco sozinho.
Oiço muitos concorrentes do The Voice dizer que estão à espera que alguém pegue neles. E eu aconselho-os a irem trabalhando! Peguem numa guitarra, criem um conceito. A paciência é uma grande virtude, mas também não se pode esperar sentado… há que fazer alguma coisa para fazer acontecer.
Qual é a tua relação com os teus fãs?
Normalmente pensa-se que uma pessoa de sucesso tinha de ter postura de estrela e de pedir muita coisa para o camarim. Uma das coisas que me dá gozo mostrar é que não precisas de ser diferente ou mostrar algo que tu não és para seres alguém com sucesso. Eu sou uma pessoa normal, sou como eles! Embora o sucesso também te mude como pessoa… É inevitável.
Sentiste dificuldade em continuares a ser tu próprio?
Sim, porque por muito que queiras ver o mundo da mesma forma, o mundo acaba por não te ver da mesma forma a ti. Há coisas em que mudas: eu confiava facilmente nas pessoas, mas com os anos aprendi a perceber que nem toda a gente se aproxima com boas intenções. Continuar a ser inocente como uma criança mas astuto como uma cobra, é esse o meu lema. Mas sempre com a mesma essência.
[Entrevista: Tiago Belim]
[Fotos: Sony Music Portugal]
Esta entrevista faz parte da edição de janeiro/fevereiro da revista Mais Educativa. Para leres mais, clica aqui!